Diretrizes:
Hipoglicemia e Hiperglicemia no Perioperatório

em atualização

Meta de Glicemia Perioperatória

Glicemia entre 140-180 mg/dL é permitida de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Diabetes e Sociedade Americana de Endocrinologia.

  • uma meta de glicemia de <180 mg/dL está relacionada a uma menor mortalidade do que metas mais restritas de 81-108 mg/dL. A maioria dos guidelines orienta níveis de glicemia entre 140-180 mg/dL.
  • existe uma associação clara entre hiperglicemia e resultados adversos. 
  • o risco de complicações pós-operatórias e o aumento da mortalidade está relacionado ao controle glicêmico de longo prazo e à gravidade da hiperglicemia na admissão e durante a internação hospitalar, portanto todos pacientes diabéticos precisam da monitorização da glicemia.
  • Níveis elevados de glicose no sangue prejudicam a função dos neutrófilos e causam uma superprodução de ácidos graxos livres e mediadores inflamatórios.
  • a correção da hiperglicemia com insulina reduz as complicações  e reduz a mortalidade por causas cardíacas em pacientes submetidos a cirurgia.

No entanto, o gerenciamento ideal da glicemia durante o período perioperatório é amplamente debatido pelo risco associado de hipoglicemia.  Seguem abaixo os efeitos da hipo e hiperglicemia:

 

Desde então, as evidências caminham em direção a metas glicêmicas mais moderadas e individualizadas caso a caso.

  • Durante o jejum, os níveis normais de glicose plasmática são entre 60-100 mg / dl (3,3-5,5 mmol / l).
  • O estresse perioperatório altera a produção hepática de glicose e a utilização de glicose nos tecidos periféricos.
  • Há aumento na secreção de hormônios contra-reguladores (catecolaminas, cortisol, glucagon e hormônio do crescimento) ocorre, causando a liberação excessiva de citocinas inflamatórias, incluindo fator de necrose tumoral-α, interleucina-6 e interleucina-1β.  –
  • Há aumentos de cortisol e produção de glicose hepática, estimulando catabolismo de proteínas e promovendo a gliconeogênese, que resultam em hiperglicemia.
  • O aumento de catecolaminas aumenta a secreção de glucagon  e inibe a liberação de insulina pelas células β pancreáticas.
  • O aumento dos hormônios do estresse aumentam a lipólise e aumentam as concentrações de ácidos graxos livres (AGL).
  • O TNF-α interfere na síntese e / ou translocação do transportador de glicose GLUT4 reduzindo a captação de glicose em tecidos periféricos.

Estes processos resultam em um estado alterado de ação da insulina, levando a um estado relativo de resistência que é mais pronunciada no primeiro dia pós-operatório e pode persistir por 9-21 dias após a cirurgia.

A carga pré-operatória de carboidratos está se tornando uma prática cirúrgica mais frequente com a abreviação do jejum porque pode neutralizar o estado de resistência à insulina que ocorre devido ao estresse e à fome. O programa Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) defende bebidas ricas em carboidratos até duas horas antes da cirurgia. Isso evita o estado catabólico associado à fome e demonstrou aumentar a sensibilidade à insulina 16 e diminuir o risco de pós-operatório hiperglicemia. 

A magnitude da resposta contra-regulatória está relacionada à gravidade da cirurgia e ao tipo de anestesia.

  • Localização anatômica, invasividade do procedimento, fluidos intraoperatórios e suporte nutricional são associados à elevação da glicose e à duração do estresse hiperglicêmico.
  • Cirurgias envolvendo o tórax e abdômen estão associadas a uma duração pronunciada e prolongada da hiperglicemia .
  • Os procedimentos laparoscópicos (versus abertos) demonstram uma diminuição da incidência de resistência à insulina e hiperglicemia.

O tipo de anestesia também influencia a resposta hiperglicêmica durante a cirurgia.

  • Anestesia geral é mais associada a hiperglicemia e níveis mais elevados de catecolaminas, cortisol e glucagon do que anestesia local ou epidural.
  • Anestésicos inalatórios inibem a secreção de insulina  e aumentam a produção hepática de glicose.
  • Sempre é recomendada a checagem da glicemia pré operatória, conforme protocolo institucional. 
  • Para cirurgias eletivas sempre devemos seguir a recomendação de suspensão de hipoglicemiantes e insulina.

Confira aqui as recomendações do manejo intraoperatório da glicemia:

Para se lembrar… 

  • Principais fatores que influenciam o nível alvo de glicose no perioperatório:

    • Duração da cirurgia.
    • Invasividade do procedimento cirúrgico.
    • Tipo de técnica anestésica.
    • Tempo esperado para retomada da ingestão oral e terapia antidiabética de rotina (quanto mais longo, pior…).
  • Recomendações de glicemia no intraoperatório:

    • Manter níveis de glicose no sangue <180 mg/dL.
    • Tratar hiperglicemia (>180 mg/dL ou 10 mmol/L) com insulina de ação rápida subcutânea (SC) ou infusão intravenosa de insulina regular.
  • Uso de insulina subcutânea (SC):

    • Indicada para cirurgias ambulatoriais ou de curta duração (<4 horas).
    • Pode corrigir hiperglicemia em procedimentos minimamente invasivos com estabilidade hemodinâmica e retomada precoce da ingestão oral.
  • Características da insulina de ação rápida SC:

    • Tempo de início: 15-30 minutos.
    • Pico de efeito: 1-1,5 horas.
    • Vantagens: facilidade de administração, baixa taxa de hipoglicemia, eficácia na correção da hiperglicemia.
  • Monitoramento e dosagem no perioperatório:

    • Teste de glicemia capilar a cada 2 horas ao usar insulina SC.
    • Insulina corretiva administrada para glicemia >180 mg/dL (10 mmol/L) com base em testes de glicose no sangue.

A dosagem corretiva com uma insulina de ação rápida está demonstrada no quadro abaixo:

 

Sugestão: O InsulinApp é uma ferramenta  projetada para auxiliar no controle glicêmico. Ele facilita a orientação do uso de insulina, realizando cálculos de doses baseados nos dados clínicos do paciente e fundamentados em protocolos estabelecidos. Caso queira usar como apoio segue o link: https://www.insulinapp.com.br/web/#/app/home

  • Indicações para infusão venosa contínua de insulina:

    • Procedimentos longos e complexos.
    • Pacientes com estado metabólico diminuído.
    • Diabetes tipo 1 ou produção de insulina endógena mínima.
    • Não indicado para cetoacidose diabética ou estado hiperglicêmico hiperosmolar.

 

  • Infusão de glicose a 5%:

    • Geralmente omitida devido à resposta ao estresse cirúrgico.
    • Considerar em casos de controle glicêmico lábil.
    • Dose inicial de insulina: 0,1 U/kg para controle rápido, se necessário.

 

  • Preparação e administração da insulina:

    • Preferência por insulina regular humana (100 U diluídas em 100 mL de solução salina 0,9%).
    • Descartar 10-20 mL iniciais do equipo para evitar atrasos na ação da insulina.
    • Trocar a bolsa de solução a cada 6 horas devido à precipitação e perda de efetividade.
    • Trocar o cateter de infusão regularmente.

 

  • Manejo de glicemias acima de 300 mg/dL:

    • Verificar cetonemia para excluir cetoacidose diabética, especialmente em DM tipo 1 ou pancreatectomizados.
    • Considerar bolus inicial de insulina EV para reduzir glicotoxicidade, utilizando a fórmula: glicemia ≥300 ÷ 100 = dose de insulina.

 

  • Cálculo do ritmo de infusão inicial:

    • Fórmula: Ritmo (mL/h) = (Glicemia atual – Glicemia mínima) x Fator de Correção (FC).
    • Glicemia mínima: geralmente 100 mg/dL.
    • Fator de Correção (FC):
      • Iniciar com FC = 0,02.
      • Ajustar para 0,03-0,05 em pacientes resistentes à insulina.
      • Reduzir para 0,01 em pacientes sensíveis à insulina.

  • Monitoramento durante infusão:

    • Medir glicemia a cada hora.
    • Aumentar intervalo para 2-3 horas em pacientes com controle glicêmico estável nas últimas 6-12 horas.

 

A velocidade de infusão deve ser ajustada a cada hora conforme a glicemia, ampliando-se o intervalo para 2 horas se houver 2 glicemias consecutivas na meta.

IMPORTANTE: Em caso de má perfusão periférica ou edema, recomenda- se evitar a utilização de glicemia capilar, utilizando-se a glicemia sérica ou arterial para controle.

 

A hipoglicemia é um quadro desafiador no perioperatório pelos riscos de não identificação a tempo pelo mascaramento dos sinais e sintomas pelos efeitos da anestesia. 

Definições de hipoglicemia:

  • glicemia em neonato até 48 horas de vida <50mg/dl e > 48 horas de vida < 60 mg/dl.
  • glicemia inferior a 70 m/dl em adultos

 

  • Glicose plasmática < 70 mg/dL (3,9 mmol/L):
    • Este é o limite geralmente aceito para identificar hipoglicemia e tomar medidas preventivas ou corretivas.
  • Glicose plasmática < 54 mg/dL (3,0 mmol/L):
    • Considerado um nível mais grave, associado a maior risco de sintomas neuroglicopênicos (alterações cognitivas, confusão, perda de consciência).
    • ATENCAO: durante a anestesia os sintomas não são aparentes

Principais fatores de risco para hipoglicemia:

  • Diabetes insulino dependente
  • Uso de hipoglicemiantes orais/ insulina, independente do diagnóstico de diabetes
  • Uso de hipoglicemiantes orais/ insulina em até 48 horas antes da internação.

Tratamento para pacientes cirúrgico adultos:

  • 20 ml de glicose 50%
  • repetir glicemia em 15 minutos
  • se <70: 10 ml de glicose 50% e procurar outras causas
  • caso indisponibilidade de acesso venoso, administrar glucagon 1 mg, via intramuscular.

Tratamento para pacientes pediátricos:  (obs.: o grande fator de risco destes casos é o diabetes tipo 1)

  • bolus de glicose 10%- 2-5ml/kg em 10 min
  • manter aporte mínimo de glicose de 4-6mg/kg/min
  • se hipoglicemia persistente, manter infusão de glicose 10%, até 8-15 mg/kg/min
  • glucagon: pode ser utilizado e é indicado nos casos de hipoglicemia por hiperinsulinismo.
  • hipoglicemia refratária
  • dificuldade de obtenção de acesso venoso

Dose glucagon:

  • intramuscular, máximo 1 mg
  • neonato :0,1-0,3 mg/kg/dose
  • criança: 0,03-0,01 mg/kg/dose
  • adulto: 1 mg/dose

 

Manejo pós-operatório

  •  Os níveis de glicemia devem ser checados na chegada a Unidade de Recuperação de pós-anestésica (SRPA) e a hiperglicemia tratada com insulina de ação rápida ou curta.
  • A correção com insulina na SRPA deve ser feita de forma endovenosa.
  • Muitos dos efeitos fisiológicos da cirurgia e da anestesia, como vasoconstrição periférica e hipotermia podem alterar a absorção de insulina subcutânea.
  • Pacientes que foram submetidos a grandes cirurgias, ou grandes cirurgias abdominais, podem se beneficiar ao ter a infusão de insulina perioperatória continuada na fase pós-operatória e geralmente estes pacientes são encaminhados para uma unidade intensiva. A taxa de infusão pode ser ajustada e a insulina corrigida administrada de acordo com a frequência da monitorização da glicemia.
  1. Umpierrez GE, Isaacs SD, Bazargan N, You X, Thaler LM, Kitabchi AE. Hyperglycemia: an independent marker of in-hospital mortality in patients with undiagnosed diabetes. J Clin Endocrinol Metab. 2002; 87(3):978–982. [PubMed: 11889147]
  2. Frisch A, Chandra P, Smiley D, Peng L, Rizzo M, Gatfcliffe C, Hudson M, Mendoza J, Johnson R, Lin E, Umpierrez G. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010; 33(8):1783–1788. [PubMed: 20435798]
  3. Kotagal M, Symons RG, Hirsch IB, Umpierrez GE, Farrokhi ET, Flum DR, SCOAP-Certain Collaborative. Perioperative hyperglycemia and risk of adverse events among patients with and without diabetes. Ann Surg. 2015; 261(1):97–103. [PubMed: 25133932]
  4. Farrokhi F, Smiley D, Umpierrez GE. Glycemic control in non-diabetic critically ill patients. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2011; 25(5):813–824. [PubMed: 21925080]
  5. Furnary AP, Gao G, Grunkemeier GL, Wu Y, Zerr KJ, Bookin SO, Floten HS, Starr A. Continuous insulin infusion reduces mortality in patients with diabetes undergoing coronary artery bypass grafting. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003; 125(5):1007–1021. [PubMed: 12771873]
  6. Umpierrez GE, Smiley D, Jacobs S, Peng L, Temponi A, Mulligan P, Umpierrez D, Newton C, Olson D, Rizzo M. Randomized study of basal-bolus insulin therapy in the inpatient management of patients with type 2 diabetes undergoing general surgery (RABBIT 2 surgery). Diabetes Care. 2011; 34(2):256–261. [PubMed: 21228246]
  7. Finfer S, Chittock DR, Su SY, Mitchell I, Myburgh J, Norton R, Potter J, the NICE-SUGAR Study Investigators. Intensive versus conventional glucose control in critically ill patients. N Engl J Med. 2009; 360(13):1283–1297. [PubMed: 19318384]
  8. NICE-SUGAR Study Investigators. Finfer S, Liu B, Chittock DR, Norton R, Myburgh JA, McArthur C, Mitchell I, Foster D, Dhingra V, Henderson WR, Ronco JJ, Bellomo R, Cook D, McDonald E, Dodek P, Hébert PC, Heyland DK, Robinson BG. Hypoglycemia and risk of death in critically ill patients. N Engl J Med. 2012; 367(12):1108–1118. [PubMed: 22992074]
  9. Van den Berghe G, Wouters P, Weekers F, Verwaest C, Bruyninckx F, Schetz M, Vlasselaers D, Ferdinande P, Lauwers P, Bouillon R. Intensive insulin therapy in the critically ill patients. N Engl J Med. 2001; 345(19):1359–1367. [PubMed: 11794168]
  10. Esposito K, Nappo F, Marfella R, Guigliano G, Guigliano F, Ciotola M, Quagliaro L, Ceriello A, Guigliano D. Inflammatory cytokine concentrations are acutely increased by hyperglycemia in humans: role of oxidative stress. Circulation. 2002; 106(16):2067–2072. [PubMed: 12379575]
Rolar para cima