O possível papel dos agentes e técnicas anestésicas no desenvolvimento de DCPO e delirium pode ser de difícil definição, dado que fatores não-anestésicos podem causar alterações cognitivas e prejudicar a função neurológica em pacientes submetidos a cirurgia. Estão inclusos nessa categoria: hipotensão e/ou hipóxia, resposta endócrina, metabólica e imunológica ao trauma (REMIT) e internação hospitalar.
Profundidade da anestesia
Apesar da associação entre delirium e profundidade anestésica excessiva no desenvolvimento de delirium, uma relação de casualidade ainda não foi completamente estabelecida. Ainda assim, devido as necessidades anestésicas reduzirem com o avançar da idade, suas doses devem ser ajustadas e individualizadas.
A utilização da concentração expirada de anestésicos inalatórios serve o propósito de evitar excesso ou falta de anestésicos, visando valores de CAM corrigidos para a idade.
O emprego de EEG bruto ou seus processamentos (bispectral index [BIS] ou patient state index[PSI]), ou outras formas de monitorização neurológica auxiliam na titulação de agentes anestésicos venosos, principalmente na ausência da concentração expirada de anestésicos inalatórios.
Ao utilizar a monitorização baseada em EEG, deve-se evitar utilizar baixos valores de EEG ou surto-supressão, ambos associados a doses elevadas de anestésicos, principalmente se associados a hipotensão.
Os resultados de estudos observacionais não são categóricos em afirmar que evitar planos anestésicos profundos, tanto durante sedação para pacientes sob anestesia regional ou durante anestesia geral, seja benéfico na prevenção de delirium ou DCPO (Ref)
Extremos de pressão arterial
Estudos apontam que hipotensão arterial intraoperatória com decréscimo do fluxo sanguíneo cerebral pode implicada como uma das responsáveis pelo desenvolvimento de delirium e DCPO, apesar das pesquisas não serem unânimes quanto a essa questão. Um estudo demonstrou que o risco para delirium pós-operatório é aumentado quando há variabilidade da pressão arterial, mais que hipotensão relativa ou absoluta.
Há relação entre episódios de hipertensão/hipotensão durante a circulação extracorpórea em cirurgia cardíaca e o desenvolvimento de DCPO, possivelmente devido a falta de proteção da autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral (Ref.) Em um estudo em cirurgia cardíaca, o risco de DCPO foi reduzindo almejando pressão arterial média acima de cada limite individual de autorregulação cerebral.
Saturação cerebral
Monitorização da oximetria cerebral pode ser empregada em certos casos com objetivo de manter a saturação regional cerebral <65, valor associado a atraso na recuperação neurocognitiva pós-operatória e delirium. Além disso, a monitorização da oximetria cerebral para manter oxigenação pode afetar desfechos como DCPO por detectar anormalidades da regulação do fluxo sanguíneo cerebral
Técnica anestésica
A literatura não tem evidências suficientes para indicar uma técnica anestésica específica visando minimizar o risco de DCPO. Deve-se então considerar a escolha com base em outros fatores
Anestesia Geral vs. Anestesia Regional
Em comparação com anestesia geral, a anestesia regional associada a sedação leve ou profunda não se mostrou superior em diminuir incidência de delirium ou DCPO. Em um ensaio clínico randomizado com 950 indivíduos idosos submetidos a fixação de fratura de fêmur, a incidência de delirium pós-operatório foi semelhante nos grupos anestesia regional sem sedação e anestesia geral.
Alguns estudos retrospectivos observaram menor incidência de delirium pós-operatório quando anestesia regional era utilizada no lugar da anestesia geral. No entanto, tais estudos observacionais são propensos a serem limitados por variáveis de confusão que podem ter afetado a escolha da técnica anestésica no período pré-operatório.
Em um ensaio clínico randomizado recente com 1802 indivíduos entre 60 e 90 anos submetidos a cirurgia torácica ou abdominal, foi encontrada uma menor incidência de delirium pós-operatório no grupo que recebeu anestesia epidural associada a anestesia geral, comparado com o grupo que recebeu apenas anestesia geral. Os autores sugerem que a analgesia promovida pela epidural, associada a diminuição do consumo de opioides, pode ter impacto na incidência de delirium pós-operatório, a despeito do maior risco de hipotensão observada em maior frequência no grupo anestesia geral e epidural combinadas.
Anestesia Balanceada vs. Anestesia Venosa Total
Em adultos, a probabilidade de desenvolvimento de DCPO não é afetada pela seleção de anestesia balanceada ou anestesia venosa total para anestesia geral. Uma metanálise de 2018 com 28 estudos e cerca de 4500 indivíduos submetidos a cirurgia não-cardíaca sob técnicas anestésicas balanceada e venosa total, a incidência de delirium pós-operatório foi semelhante em ambos os grupos. Esta mesma metanálise apresenta uma evidência fraca de redução em DCPO com uso de anestesia venosa total, devido a heterogeneidade dos testes neuropsicológicos aplicados nos ensaios analisados.
A tabela abaixo traz um breve resumo:
Profundidade anestésica | Existe associação, mas sem causalidade comprovada. Doses de anestésicos voláteis ajustadas para idade – fração expirada de anestésicos Monitores de profundidade anestésica baseados em EEG. Evitar surto-supressão ou valores baixos de BIS, PSI, etc. |
Extremos de pressão arterial | Hipotensão intraoperatória – maior risco Variação da pressão também predispõe. Variações de pressão com hipo/hipertensão parecem ser mais deletérias em pacientes em CEC |
Saturação de oxigênio cerebral | Monitorização de oximetria cerebral útil em casos selecionados Saturação regional cerebral < 65: delirium e atraso na recuperação neurocognitiva |
Anestesia Geral vs Anestesia Regional | Aparentemente sem diferenças quando comparadas como técnica anestésica Associar técnicas de anestesia regional para melhor controle álgico no PO obteve melhores resultados |
Anestesia balanceada vs venosa | Em adultos, sem diferença entre técnicas |