Profundidade do bloqueio neuromuscular Copy

Com o intuito de aumentar a segurança do paciente, a extubação deve ocorrer após recuperação da função muscular sem efeito residual do bloqueador neuromuscular administrado, seja espontaneamente ou após o uso de um antídoto. Para avaliar a função muscular, três métodos são comumente descritos:

Métodos de avaliação de bloqueio neuromuscular residual
Avaliação clínica
Monitorização neuromuscular com estimulador de nervo e avaliação qualitativa
Monitorização neuromuscular com estimulador de nervo e avaliação quantitativa

Em diversas pesquisas com anestesiologistas, em diversos locais e em diferentes épocas, a avaliação clínica costuma ser o método mais utilizado para avaliar curarização residual antes da intubação. Testes clínicos que incluem incapacidade de sorrir, incapacidade de engolir, incapacidade de sustentar a cabeça por cinco segundos, incapacidade de sustentar a perna por 5 segundos e incapacidade de manter a mão apertada por cinco segundos, são testes clínicos interpretados como curarização residual, enquanto a ausência destes poderia significar que o efeito do BNM foi cessado.

Apesar do uso rotineiro do método clínico, a literatura mostra que tais testes não possuem boa correspondência na detecção do bloqueio neuromuscular residual, com baixa sensibilidade:

Teste clínicoSensibilidade
Incapacidade de sorrir0,29
Incapacidade de engolir0,21
Incapacidade de sustentar a cabeça por 5 segundos0,19
Incapacidade de sustentar a perna por 5 segundos0,25
Incapacidade de manter a mão apertada por cinco segundos0,18

Músculos diferentes possuem resistências diferentes ao efeitos dos BNM. Ainda que o paciente consiga respirar de maneira adequada pelo tubo orotraqueal, portanto com recuperação da atividade do diafragma, os músculos responsáveis pela patência da via aérea podem ainda estar com suas funções prejudicadas, e realizar a extubação neste momento reduziria a segurança do paciente.

A estimulação de nervo periférico com avaliação qualitativa da contração muscular surgiu como método para potencial melhora de desfecho em relação à curarização residual, e consiste na estimulação elétrica de um nervo em diferentes padrões de estímulo, e avaliação visual qualitativa de seu efeito no músculo correspondentemente inervado, por exemplo o nervo ulnar e o músculo adutor do polegar. Surgiram então padrões de estímulo elétrico como o train-of-four (TOF) e a estimulação tetânica. Entretanto, por ser uma avaliação subjetiva em relação à amplitude de contração muscular após o estímulo elétrico, este método também apresenta limitações quanto à efetividade da avaliação do bloqueio residual.

Finalmente, além da estimulação elétrica, novos dispositivos incluíram um sensor de movimento para ser acoplado no território do músculo inervado para, após análise computadorizada, apresentar quantitativamente a capacidade de contração muscular, em metodologias conhecidas como mecanomiografia, eletromiografia e, mais comumente no nosso meio, a aceleromiografia. Estes dispositivos, atualmente, são considerados as melhores ferramentas para avaliar a intensidade do bloqueio neuromuscular, e devem ser utilizados para decidir se há necessidade de realizar a descurarização do paciente e também monitorizar a efetividade da descurarização.

A instalação dos aparelhos disponíveis nos nossos hospitais é bastante simples, devendo utilizar dois eletrodos de cardioscopia sobre o nervo ulnar, conectar os fios vermelho e preto, e então posicionar o sensor entre o indicador e o polegar, como na foto abaixo:

Posicionamento do monitor TOF para avaliação do adutor do polegar

Ao estimular um nervo, em impulso elétrico único, é natural que ocorra contração muscular correspondente. Porém, quantificar se essa contração está normal ou reduzida é a grande dúvida. Ao realizar o estímulo elétrico no padrão train-of-four (TOF), quatro estímulos elétricos seguidos são direcionados para o nervo. Quando um BNM está atuando na placa motora, pode não haver sequer uma resposta ao estímulo elétrico. Porém, conforme o efeito do relaxamento vai passando, começam aparecer as contrações musculares. No caso dos BNM adespolarizantes, um fenômeno muito característico é observado nos estímulos elétricos consecutivos, e é denominado fadiga.

Na figura abaixo, as barras verdes representam a intensidade da contração muscular após o estímulo elétrico, de modo que quanto maior o tamanho da barra, maior a intensidade de contração. No músculo sem BNM, o estímulo elétrico no padrão TOF leva à quatro contrações de intensidades semelhantes. Na presença de BNM, é possível que não ocorra nenhuma resposta, quando o bloqueio está mais intenso, e então, com o processo de diminuição da intensidade do bloqueio, inicialmente aparece apenas uma resposta à contração muscular, e então duas, três e, finalmente, quatro respostas. Note que as respostas apresentam intensidade decrescente, e essa redução da resposta com os estímulos consecutivos é o que denomina-se fadiga. 

A implantação do acelerômetro nos dispositivos disponíveis em nosso meio permite que eletronicamente seja quantificada a amplitude destas respostas musculares. A partir disso, é possível calcular a razão (RTOF) entre a amplitude do quarto estímulo (A4) e a amplitude de primeiro estímulo (A1). A RTOF é de extrema importância para entendermos qual a intensidade de bloqueio do paciente. Atualmente, é considerado seguro que o paciente seja extubado com RTOF > 90%. Este valor de corte já foi menor, porém estudos mais atuais entenderam que acima de 90% garantem a patência da via aérea e reduzem o risco do paciente. Alguns trabalhos já cogitam considerar como corte o valor de 100%.

Amplitude dos estímulos na monitorização com TOF
Cálculo da relação A4/A1 no TOF

Caso o paciente apresente uma, duas ou três respostas após os quatro estímulos elétricos, a RTOF é igual a zero, e normalmente o visor dos aparelhos mostrará, ao invés de uma porcentagem, a quantidade de respostas musculares detectadas (1, 2 ou 3).

Caso o paciente não apresente nenhuma resposta muscular, o visor irá mostrar o valor zero. Neste caso, podemos utilizar um outro padrão de estímulo elétrico, que é a contagem pós-tetânica (CPT), que consiste em um estímulo elétrico contínuo por alguns segundos, que recruta cálcio no axônio do neurônio, seguido de dez estímulos elétricos isolados, quando o aparelho analisará se houve resposta muscular a estes estímulos, e a quantidade de respostas musculares será o valor da contagem pós-tetânica. Entenda que este padrão só deve ser utilizado após obter um TOF zero. A depender da intensidade do relaxamento muscular, pode haver mais ou menos respostas na CPT, ou mesmo nenhuma resposta, no caso de um relaxamento intenso. 

Para padronizar os termos neste curso, utilizaremos a nomenclatura a seguir, preconizada no Tratado de anestesia do Miller:

TOFCPTNomenclatura
4 respostasFase de recuperação
1-3 respostasBloqueio moderado
Zero>  0Bloqueio profundo
ZeroZeroBloqueio intenso

Existem outros padrões de estímulo elétrico, porém os mais importantes para manejo da curarização são o TOF e a contagem pós tetânica (CPT).

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