Diretrizes:
Monitorização no período perioperatório
Diversos estudos demonstram que a monitorização adequada consegue prevenir e reduzir os riscos por meio do reconhecimento precoce de um erro ou até mesmo por demonstrar deterioração das condições clínicas do paciente de maneira precoce por qualquer outro motivo. A implementação de recomendações padronizadas de monitorização resultou na redução de complicações em diversos hospitais e instituições, como aconteceu na Escola Médica de Harvard na década de 80.
Este conjunto de recomendações aborda apenas a questão da monitorização anestésica básica e avançada, que é um componente do cuidado da anestesia. Em certas circunstâncias raras ou incomuns, alguns destes métodos de monitorização podem ser clinicamente impraticáveis e o uso adequado dos métodos de monitorização descritos pode falhar na detecção de evoluções clínicas indesejáveis. Breves interrupções da monitorização contínua podem ser inevitáveis.
A monitorização consiste na vigilância contínua a qual os pacientes sob anestesia e sedação devem ser submetidos, sendo considerada a monitorização das diversas funções orgânicas por meio da integração entre os dados obtidos pelos aparelhos e a avaliação clínica do paciente. A monitorização abrange diversos aspectos: hemodinâmicos, respiratórios/ ventilatórios, consciência, analgesia, relaxamento muscular, atividade neural, temperatura, entre outras.
Monitorização básica (obrigatória) é entendida como a realizada com condições mínimas de segurança para a prática da anestesia e sedação, segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina 2174/2017 com a utilização de:
I – Monitoração da circulação, incluindo a determinação da pressão arterial e da frequência cardíaca (cardioscopia/ eletrocardiograma);
II – Monitoração contínua da oxigenação do sangue arterial: oximetria de pulso;
III – Monitoração contínua da ventilação, incluindo os teores de gás carbônico exalados (capnografia – dióxido de carbono expirado) nas situações sob via aérea/ ventilação artificial.
Recomenda-se a monitoração da temperatura e sistemas para aquecimento de pacientes em anestesia pediátrica e geriátrica, bem como em procedimentos com duração superior a uma hora, nas demais situações (vide o documento de prevenção de hipotermia).
Recomenda-se o uso de sistemas automáticos de infusão para administração contínua de fármacos vasoativos e anestesia intravenosa contínua.
Monitorização avançada constitui-se na utilização de recursos invasivos e não invasivos como a pressão arterial invasiva, pressão venosa central, pressão de artéria pulmonar, ecocardiografia transtorácica, entre outras.
A indicação do tipo de monitorização a ser utilizada (básica e/ou avançada) tem como base o estado físico do paciente (American Society of Anesthesiologists – ASA), o porte/ complexidade do procedimento e os riscos anestésicos/ cirúrgicos, conforme critérios pré-estabelecidos. Deve ser utilizada de maneira escalonada de acordo com a gravidade do paciente e porte/ complexidade do procedimento, sendo baseada em metas.
Pressão arterial invasiva (PAI): A cateterização arterial para mensuração da pressão arterial está indicada em pacientes cardiopatas, com comprometimento do débito cardíaco (ex.: tamponamento cardíaco), cirurgias com grandes variações hemodinâmicas (ex.: clampeamento de aorta) ou grandes perdas volêmicas. A pressão arterial invasiva também pode ser utilizada para a medida minimamente invasiva do débito cardíaco através da área sobre a curva, além da avaliação dinâmica da volemia possibilitando guiar a reposição volêmica, evitando sobrecarga hídrica após otimização volêmica.
Pressão venosa central (PVC): A pressão venosa central está indicada para cirurgias com grande variação da volemia, principalmente em pacientes que tenham fatores de risco e/ou comprovada disfunção cardíaca, podendo não tolerar a reposição de grandes volumes agudamente. Os valores de PVC estão progressivamente ganhando menor importância na monitorização desde o aparecimento de medidas dinâmicas da volemia, no entanto a tendência dos valores pode fornecer informações importantes para o manejo clínico do paciente. O cateter central pode oferecer a possibilidade de monitorização contínua ou intermitente da saturação venosa central, medida indireta do débito cardíaco e da oferta tecidual de oxigênio, que pode ser otimizada através da reposição volêmica e uso de inotrópicos.
Pressão de artéria pulmonar (PAP): Indicada para situações onde há alterações da pressão pulmonar e valvopatias, onde a medida minimamente invasiva do débito cardíaco não é fidedigna ou suficiente para o manejo perioperatório.
Variação de volume sistólico e débito cardíaco minimamente invasivo: Pode ser monitorizada através da pressão arterial invasiva, sendo indicada para pacientes cardiopatas graves e para cirurgias de grande porte ou para utilização da terapia guiada por objetivos (early goal therapy).
Junção neuromuscular: Está indicada sempre que forem utilizados relaxantes musculares.
É um monitor não invasivo, disponível em todas as salas cirúrgicas do hospital que pode reduzir a incidência de curarização residual clinicamente imperceptível, além de orientar a necessidade ou não da descurarização, minimizando os riscos dos efeitos adversos da administração dos anticolinesterásicos.
Índice biespectral (BIS): Indicada para cirurgias de médio e grande porte, na possibilidade de grandes perdas volêmicas ou ainda para pacientes de risco para consciência intra operatória (vide a Diretriz Assistencial de Prevenção de Consciência Intra Operatória).
Ecocardiografia transesofágica: Monitorização da função cardíaca bem como da volemia, recomendada para cirurgias cardíacas, cirurgias de grande porte em pacientes cardiopatas e cirurgias com efeitos diretos sobre a contratilidade cardíaca (ex.: citorredução com quimioterapia hipertérmica).
Oximetria cerebral: A monitorização da oximetria cerebral é um ponto de extrema relevância sendo sua utilização recomendada pelas Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV) e a Sociedade Brasileira de Circulação Extracorpórea (SBCEC), em cirurgias cardíacas com CEC. Você irá encontrar toda a fundamentação para uso da oximetria cerebral e algoritmo para orientar a tomada de condutas baseada no seu uso na diretriz específica (Uso da oximetria cerebral em cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea)
Os monitores devem ser checados antes do início do procedimento quanto a sua disponibilidade e funcionamento (checagem de segurança da anestesia). Os alarmes devem ser regulados para parâmetros apropriados, visando segurança e devem permanecer audíveis.
Intervalo de Registro da monitorização básica e avançada: No período intra-operatório, a monitorização deve ser documentada no prontuário a intervalos não superiores a 10 minutos, conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina 2174/2017. Na recuperação Pós-Anestésica, os Critérios de Aldrette-Kroulik modificado, índice pediátrico, e os sinais vitais devem ser registrados de acordo com a Diretriz Assistencial de Cuidados na Recuperação Pós-Anestésica.. A avaliação e reavaliação da dor devem ser realizadas de acordo com o Protocolo de Gerenciamento da Dor de cada Hospital.
Avaliação do paciente no Período Pré-anestésico: Os pacientes submetidos a qualquer procedimento cirúrgico, diagnóstico ou terapêutico sob anestesia/ sedação devem ser avaliados previamente, exceção feita aos casos de emergência médica com risco de vida, sendo registrados seus sinais vitais na ficha de avaliação pré-anestésica/ pré-sedação. Neste caso, a avaliação poderá ser feita antes da indução da anestesia (avaliação pré-indução), num período de tempo mais curto, priorizando-se o cuidado ao paciente. A partir destas informações os pacientes devem ser classificados conforme estado físico pela classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA) e escore de risco clínico, o que norteará o planejamento dos cuidados em anestesia e a monitorização no período perioperatório, sempre considerando a condição clínica do paciente, a complexidade do procedimento e os seus riscos potenciais. A documentação destas informações é obrigatória através do preenchimento completo e correto da Ficha de Avaliação Pré-Anestésica.
A monitorização deve ser conectada ao paciente antes de iniciar qualquer procedimento e/ou sedação (avaliação pré-indução) e só deve ser retirada após a completa recuperação dos efeitos da anestesia, quando o mesmo será transportado para a Sala de Recuperação da Anestesia ou outra Unidade determinada.
Todos os pacientes sedados por médicos anestesiologistas e não anestesiologistas serão submetidos à avaliação pré-indução na sala do procedimento, sendo realizada neste momento a revisão da Avaliação Pré-anestésica/ pré-sedação, checagem dos sinais vitais atuais e a revisão do planejamento de cuidados da anestesia/ sedação (monitorização, reposição volêmica, analgesia, etc.) e a técnica anestésica/ sedação a ser administrada. Os sinais vitais do paciente no momento da avaliação pré-indução (API) por anestesiologistas serão registrados na ficha de anestesia em campo específico do gráfico e a confirmação de sua realização será checada no “Checklist de segurança da anestesia”.
Durante a Monitorização do paciente no período pós-anestésico (Sala de Recuperação Pós-Anestésica – SRPA) deve haver a continuidade do cuidado ao paciente com adequada monitorização conforme sua condição clínica e complexidade da cirurgia/ procedimento realizado.
O paciente será avaliado quanto a sua evolução segundo os Critérios de Aldrette-Kroulik (pacientes adultos) e Índice pediátrico (pacientes pediátricos), sendo anotados seus dados vitais (pressão arterial, pulso, saturação, temperatura e escala de dor) no prontuário. A sala de recuperação pós-anestésica deve possuir monitorização complementar (avançada) à monitorização básica para poder atender a pacientes mais graves que venham a ser encaminhados a unidades semicríticas ou críticas ou ainda que tenham quaisquer tipos de intercorrências durante sua recuperação.
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