Diretrizes:
Proteção Ocular Durante Procedimentos Anestésicos

Lesão ocular (LO): dor ocular e hiperemia após procedimento anestésico (anestesia/ sedação) que necessite de qualquer intervenção ou a necessidade de uma avaliação do médico oftalmologista.

Incidência: As complicações oculares após cirurgias não-oftalmológicas têm sido raramente relatadas.  Embora raras (0,056%), as lesões oculares perioperatórias, podem levar frequentemente a grande desconforto e ansiedade nos pacientes. No pacientes com lesão ocular foi documentada dor mais intensa do que a dor da cirurgia de maneira geral. Lesões oculares são responsáveis por 3-8% dos processos relacionados à má prática anestésica.

A educação, a padronização dos cuidados e o monitoramento das lesões oculares contribuem para a melhoria dos resultados assistenciais. O anestesiologista deve estar ciente da possibilidade de dano ocular durante a anestesia e cirurgia. Se um paciente desperta de um procedimento anestésico queixando-se de déficit visual, este deve ser considerado uma emergência, devido à possibilidade de oclusão da artéria central da retina. Durante análise de 53.832 atendimentos anestésicos realizados no Hospital Sírio-Libanês, verificamos que a taxa de lesão ocular era de 0,24 por 1.000, no período de janeiro de 2011 a maio de 2013.

Tipos de lesão ocular:

– Abrasão de córnea (AC) – desepitelização ocorrida pela fricção ou esfoladura da córnea. É a forma mais comum de dor ocular pós-operatória, podendo representar até 59% das lesões oculares após anestesia. É resultado do fechamento incompleto da pálpebra (lagoftalmo) e pode ser mecanicamente incorrido por estetoscópios, relógios, anéis, ponta da bisnaga de lubrificante, crachás pendurados, a máscara de anestesia, laringoscópio, campos cirúrgicos, entre outros.

Abrasões da córnea podem se apresentar sutilmente como uma sensação de olho seco ou dor ocular leve; portanto, muitas destas complicações podem não ser reconhecidas pela equipe anestésico-cirúrgica prontamente e nem são valorizadas. Também são evidenciados como sintomas: sensação de corpo estranho, visão borrada, fotofobia, lacrimejamento e dor ao piscar.

Se não tratada, abrasões corneanas podem progredir e formar úlceras de córnea, pois apesar de geralmente autolimitadas, em casos graves, aumentam os riscos de cicatrizes ou infecções que podem resultar em déficit visual. A avaliação facilita o reconhecimento rápido e tratamento de AC, que são essenciais para a prevenção secundária de complicações.

A abrasão ocular também pode ser causada por lesão química de soluções para antissepsia da pele ou mesmo produtos químicos utilizados para processar materiais como as máscaras de anestesia, podendo também levar à inflamação da esclera e da córnea.

– Ceratopatia por exposição –

A anestesia geral tem demonstrado diminuir a produção de lágrima, e quando acompanhada de maior evaporação da camada aquosa do filme lacrimal e fechamento incompleto da pálpebra há um risco maior de gerar desepitelização da córnea com probabilidade de evoluir para úlcera de córnea. Com a redução da formação da lágrima, a córnea pode tornar-se seca, se não protegida.

Durante a anestesia, também pode ocorrer injúria devido à perda do reflexo de piscar e os efeitos de desidratação por exposição ao ambiente refrigerado e seco (ar condicionado).

– Edema conjuntival (quemose) – Os pacientes submetidos a cirurgias com retorno venoso reduzido causado pelo pneumoperitônio, administração de grandes volumes de fluidos endovenosos e cirurgias de longa duração podem evoluir com edema conjuntival, também conhecido como quemose. A quemose é a infiltração edematosa da conjuntiva ocular e pode colocar o paciente em risco aumentado para outras complicações oculares.

– Neuropatia óptica isquêmica (NOI): Perda visual pós-operatória – A perda de visão indolor após a cirurgia pode ser devido à neuropatia óptica isquêmica (NOI) ou decorrente de lesão cerebral. Ambos são eventos raros. O risco é mais frequente em cirurgia da coluna na posição prona e cirurgia cardíaca. A avaliação de um oftalmologista é mandatória, sendo que o exame de fundo de olho precoce pode ajudar no diagnóstico. 

As causas da isquemia do nervo óptico são:

  • hipotensão arterial (hipotensão induzida ou acidental, hemorragia)
  • Pressão venosa e/ou pressão intraocular elevadas (decúbito ventral)
  • aumento da resistência ao fluxo (aterosclerose, diabetes mellitus, hipertensão, tabagismo, policitemia)
  • diminuição da oferta de oxigênio (anemia).

 

Atenção!!!

Os pacientes submetidos a qualquer procedimento cirúrgico, diagnóstico ou terapêutico sob anestesia devem ser avaliados previamente ao procedimento. Caso o paciente tenha qualquer problema ocular ele deverá estar registrado na ficha de avaliação pré anestésica.

Quanto ao procedimento anestésico-cirúrgico:

– Posicionamento cirúrgico: decúbito lateral, ventral, trendelenburg (cabeça em nível abaixo do coração) e posição sentada.

– Mudanças de posicionamento no intra-operatório (envolvendo cabeça e pescoço)

– Cirurgia de cabeça e pescoço

– Cirurgias de coluna

– Cirurgias videolaparoscópica e robótica com pneumoperitônio (compressão venosa aumentada, com diminuição do retorno venoso)

– Tempo de duração da anestesia

– Reposição volêmica profusa

– Cirurgias com risco potencial de sangramento com hipotensão arterial

 

Quanto ao paciente (estratificação de risco):

– Pacientes ASA P3 e P4

– Pacientes idosos (mais de 70 anos)

– Doença vascular aterosclerótica

– Hipertensão arterial prévia

– Tabagismo crônico

– Diabetes Mellitus

– Doenças autoimunes (artrite reumatoide, Síndrome de Sjogren)

– Diagnóstico prévio de “Síndrome do olho seco” (Ceratoconjuntivite sicca/ Dry Eye)

– Exoftalmia, Glaucoma, uso de lentes de contato, lesão ocular prévia, cirurgia oftalmológica prévia

– Uso de drogas ilícitas (de abuso)

– Anemia pré-operatória: Hgb (< 8,5 g/ dl)

– Uso de medicamentos (antialérgico, antidepressivo, diurético, entre outros)

Uma diferença importante entre cirurgia aberta e laparoscópica/ robótica é a diminuição do retorno venoso resultante dos efeitos do pneumoperitônio e o tempo cirúrgico potencialmente mais longo. Além do aumento da pressão venosa, em cirurgia laparoscópica/ robótica os pacientes são colocados frequentemente em posição de Trendelenburg íngreme que pode reduzir ainda mais o retorno venoso. Em um estudo retrospectivo de complicações de 1500 pacientes submetidos à prostatectomia laparoscópica e robótica a incidência de abrasão corneana foi de 3%. Os investigadores deste estudo observaram a diminuição da taxa de LO para 1% após iniciar a utilização de um protetor ocular no intra-operatório.

– Avaliação pré-anestésica focada nos fatores de risco de lesão ocular com registro adequado;

– Vigilância constante e checagens periódicas da proteção ocular pelo anestesiologista (a cada 1 hora);

– Quando se utiliza uma máscara facial, deve-se evitar a aplicação de uma pressão excessiva no olho;

– Realizar fechamento das pálpebras antes da ventilação com máscara, intubação, e manipulação de vias aéreas e face do paciente. Retirar a proteção ocular somente no despertar do paciente, quando este retomar os reflexos corneal e palpebral.

– Verifique a posição do fluxo de oxigênio na máscara facial/ cânula nasal/ cateter. Evite manter o fluxo direcionado para os olhos do paciente.

– Evitar hipotensão arterial sistêmica e anemia;

– Utilizar sempre gel lubrificante a base de ácido poliacrílicoaplicando no fundo de saco superior e inferior dos olhos, garantindo o fechamento total das pálpebrasEvitar colírios, pois os mesmos evaporam rapidamente e possuem substâncias potencialmente alergênicas. 

-Não fazer instilação com SF 0,9% pois aumenta o risco de desidratação e irritação da córnea.

-Não utilizar para proteção rotineira pomadas pois elas podem causar reação alérgica ou visão turva no despertar. Pomada antibiótica (Epitezan®) é indicada somente no tratamento de abrasões da córnea durante 24 ou 48 horas.

– Utilizar fitas adesivas à base de silicone, pois são menos alergênicas e reduzem a agressão à pele durante a sua retirada. O posicionamento correto da fita adesiva é craniocaudal, pois fornece proteção e favorece o fechamento pelo músculo orbicular da pálpebra. Poderá ser utilizado também curativo oclusivo do tipo filme plástico transparente para cirurgias com duração prevista de mais de duas horas, em cirurgias de cabeça e pescoço (neurocirurgias, otorrinolaringologias, etc.) e nos casos em que utiliza solução antisséptica em face. Neste caso é importante sempre checar a oclusão total das pálpebras e preservar as sobrancelhas, conforme imagem abaixo.

Proteção ocular com fita adesiva de silicone na direção crânio caudal e película plástica transparente

– No caso de cirurgias de cabeça e pescoço sob anestesia local e sedação leve, utilizar tampão acrílico para prevenção de abrasão de córnea por campos cirúrgicos ou manipulação cirúrgica.

Sempre fixar o tampão acrílico com fita adesiva hipoalergênica e utilizar curativo tipo “Mepilex” para proteger a pele das bordas do tampão. É importante sempre checar a oclusão total das pálpebras e utilizar gel lubrificante quando o paciente estiver em sedação profunda.

– Nos casos de cirurgias em posição prona, utilizar os suportes de cabeça padronizados pelo hospital e disponíveis no centro cirúrgico. Redobrar a atenção com a região ocular e realizar checagem visual a cada meia hora.

– Atenção a pacientes em uso de agentes dermatológicos abrasivos em face (ex. Ácido Retinoico). Uso cuidadoso da fita siliconada, principalmente na retirada da mesma.

– Na SRPA, manter vigilância do paciente e não permitir que o paciente esfregue os olhos, pois o mesmo encontra-se sonolento e pode causar traumas.

– No caso de olho vermelho e dor ocular importante, uma avaliação imediata do médico oftalmologista é recomendada. Embora essas lesões normalmente tenham resolução espontânea dentro de 24 horas, elas são geralmente dolorosas e podem levar a ulceração da córnea.

– Os anestésicos locais não devem ser aplicados, porque eles podem atrasar a regeneração do epitélio e podem promover a queratite. O tratamento consiste em permitir que o olho ferido descanse com a utilização de um tampão ocular com a aplicação de uma pomada antibiótica.

Resolução do Conselho Federal de Medicina 2174/2017.

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