Diretrizes:
Cuidados para Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Síndrome de Burnout
em atualização
O estresse pode ser definido como um desequilíbrio entre as demandas e os recursos que um indivíduo tem para enfrentar essas demandas, podendo assim afetar o seu bem-estar.
As profissões ligadas à saúde criam responsabilidades únicas e estão ligadas a agentes estressores únicos. Lidar com pessoas que estão doentes e o sentimento de que podemos cometer erros é estressante, bem como a necessidade de atualizar constantemente o conhecimento, o que pode gerar uma sobrecarga gradual e crescente.
Altos níveis de estresse ocorrem em aproximadamente 30% dos profissionais que trabalham na sala cirúrgica, como o anestesiologista. Setenta e nove por cento dos residentes de anestesiologia na Irlanda descrevem que sentiram que a pressão no trabalho tinha afetado a sua saúde e que o estresse relacionado ao trabalho fez com que eles tenham desempenho abaixo do desejado. Portanto é fato que tanto os anestesiologistas formados como os residentes, estão em risco no trabalho, pois atuam em áreas estressantes do hospital, com um contexto peculiar (baixo controle sobre o trabalho, alta demanda, longas horas de trabalho, privação crônica do sono, fadiga, alta responsabilidade, exigência nas relações interpessoais, necessidade de vigilância sustentada, imprevisibilidade do trabalho, medo do litígio, aumento da pressão de produção e assim por diante).
Maiores escores de fadiga foram mostrados em anestesistas em relação a outros funcionários, ou até mesmo em pacientes diabéticos, e uma correlação positiva entre fadiga e sofrimento psicológico foi observada em anestesistas.
O estresse em seu trabalho às vezes é necessário e benéfico para melhorar o nível de alerta. Além disso, ele gera – depois de superá-lo – uma sensação de sucesso e capacidade de lidar com exigentes situações. No entanto, quando cronicamente mantidos, os altos níveis de estresse e ineficazes estratégias de enfrentamento têm consequências devastadoras.
Portanto é necessário identificar o Burnout e suas consequências.
Muitas são as consequências negativas da Síndrome de Burnout que devem ser conhecidas.
A desmoralização é um sintoma “agudo” que tem semelhanças com a depressão.
É um sentimento ou estado de “incompetência subjetiva” resultante de uma ameaça aos valores da profissão. Quando a vantagem do valor e o princípio da beneficência (ambos dirigem muitos médicos) são ameaçados por políticas (por exemplo, atalhos orçamentários, pressão financeira, agendas pesadas), pode surgir um conflito entre imperativos “clínicos” e “administrativos”. Em seguida, os médicos sentem que não podem prestar o cuidado que desejam. A consequência final é um “estresse de consciência” e desmoralização. A duração do estressor não precisa ser crônica e a desmoralização pode existir independentemente, embora também possa ser um passo importante no caminho para o burnout.
Classicamente a síndrome de burnout é caracterizada por três componentes básicos:
Esgotamento emocional: o profissional sente-se emocionalmente drenado, sem energia para fornecer os serviços necessários. Representa a dimensão do estresse individual do burnout. É considerado um sintoma central e é influenciado pelo ambiente de trabalho. Alguns exemplos desse ambiente para os anestesiologistas são:
- Tratamento de pacientes em fase aguda: Relacionado a cuidados complexos, carga de trabalho pesada e expectativa de alto desempenho. Nós não somos treinados para falhar, o que está associado a um exagerado senso de responsabilidade e perfeccionismo, que é um precursor do burnout;
- Estresse Moral: A incapacidade de agir de acordo com o que acreditamos ser ético ou contrário aos nossos valores pessoais ou profissionais minando nossa integridade (p ex, o prolongamento desnecessário da vida). É típico de empregos com uma capacidade limitada de tomar decisões e com cuidados de fim de vida em um ambiente menos empático (futilidade é uma fonte de angústia emocional);
- Tecnologia: devido a mau funcionamento ou recursos insuficientes, tecnologia sofisticada, carga de trabalho cada vez mais burocrática;
- Cuidados com as famílias dos pacientes: os trabalhadores absorvem o sofrimento e a dor dos outros (fadiga compassiva).
Despersonalização ou cinismo: Um estado em que os indivíduos se distanciam de seu trabalho, representando o contexto interpessoal de burnout. É considerada uma técnica de autopreservação de enfrentamento em resposta à sobrecarga emocional (a distância é uma resposta à angústia).
Sentimentos de ineficácia e falta de realização pessoal: Uma avaliação subjetiva feita pelo indivíduo, geralmente influenciada pela despersonalização. Geralmente ocorre quando os indivíduos trabalham com altos padrões de cuidado e desempenho, que eles não conseguem atender. Situações de sofrimento moral, em que somos excluídos do processo de tomada de decisão, podem aumentar esse sentimento negativo.
Médicos de especialidades da linha de frente, como anestesiologistas, apresentam maior risco de burnout. Embora 90% reconheçam o problema, apenas 14% desenvolveram estratégias de enfrentamento. Estudos revelam altos índices de burnout em intensivistas franceses (50%), trabalhadores de UTI em Portugal (31%) e anestesistas egípcios (mais da metade).
A autoavaliação tende a subestimar o problema, e o burnout pode ser “contagioso” no ambiente de trabalho. Fatores protetores incluem maior satisfação no trabalho e menor estresse, comuns em equipes menores, profissionais mais velhos e com mais tempo de equipe. Subordinados tendem a sofrer mais burnout que gestores, devido à menor autonomia.
Anestesiologistas jovens relatam mais estresse, menos satisfação e maior burnout. Nos EUA, 37% dos residentes estavam insatisfeitos e 41% apresentavam alto burnout, agravado por longas jornadas, privação de sono e pressão. O risco aumenta na residência e atinge pico na meia-carreira, refletindo possível “seleção natural” pela saída dos mais afetados ou desenvolvimento de estratégias de enfrentamento.
Aceitar o burnout como um problema real é essencial para preveni-lo e tratá-lo. A origem parece ser sistêmica, começando já na escola médica, marcada por competitividade e perfeccionismo. O perfeccionismo leva à insatisfação constante, culpa e dificuldade em delegar, tornando-se fator importante de risco.
Outros fatores incluem pressão de tempo, ritmo intenso de trabalho, desalinhamento de valores com lideranças, envelhecimento populacional (com aumento da demanda) e acúmulo de tarefas administrativas. A falta de reconhecimento, críticas de pacientes e sentimento de desvalorização também contribuem — na China, 27,5% dos anestesiologistas relataram falta de respeito.
E na nossa realidade no Brasil? A prevalência de síndrome de burnout entre anestesiologistas brasileiros durante a pandemia da COVID19foi de 19,6%, com 56,5% dos participantes em alto risco de desenvolver burnout. Outro estudo realizado em anestesiologistas do sul do Brasil em 2012 encontrou uma prevalência de burnout de 48,7%, destacando a alta taxa de exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Esses dados indicam que o burnout é uma preocupação significativa entre anestesiologistas no Brasil, com variações na prevalência dependendo do contexto e do período de estudo. Confirmando que os dados mundiais infelizmente também se aplicam à nossa realidade.
O burnout impacta negativamente tanto a esfera profissional quanto a pessoal, com variação na gravidade dos sintomas entre os indivíduos.
Profissional:
Queda de performance: residentes com alto risco de burnout e depressão relatam mais erros médicos, menor atenção e empatia, além de maior tendência a abandonar a prática assistencial.
Menor adesão do paciente ao tratamento e baixa empatia.
Existe uma relação de interdependência entre o bem-estar do profissional e do paciente, que pode se tornar um ciclo positivo ou negativo.
Pessoal:
Problemas de saúde: distúrbios do sono, ansiedade, fadiga, irritabilidade, sintomas gastrointestinais, alterações hormonais, hipertensão, e problemas de memória.
Conflitos interpessoais, depressão, ideação suicida, abuso de substâncias e aumento de acidentes após plantões noturnos.
Apesar de sintomas semelhantes, burnout e depressão devem ser diferenciados: burnout tradicionalmente afeta o trabalho, enquanto a depressão impacta também a vida pessoal. No entanto, essa distinção vem sendo questionada, com estudos apontando que o esgotamento pode surgir em qualquer área da vida que envolva exposição crônica ao estresse e dê sentido à existência.
Gerenciamento do Estresse:
Anestesiologistas mais experientes tendem a desenvolver melhor capacidade de lidar com o estresse, o que envolve esforços cognitivos e comportamentais contínuos.
Estratégias de enfrentamento são influenciadas por personalidade, ambiente e demandas específicas, sendo fundamentais para o bem-estar e desempenho profissional.
Há poucos estudos sobre programas de redução de estresse em médicos que utilizam técnicas cognitivas, comportamentais ou baseadas em atenção plena:
Técnicas comportamentais: respiração controlada, relaxamento muscular.
Terapias cognitivas: mudança de crenças disfuncionais.
Atenção plena (mindfulness): foco nas reações diante das experiências.
Tais intervenções mostram redução significativa da ansiedade em comparação aos grupos controle.
Apoio organizacional, boas relações interpessoais e atuação de comitês de ética e sociedades profissionais são importantes para redução do estresse.
É recomendado o foco em prevenção desde o início da carreira, pois muitos profissionais já ingressam na área em condições emocionais e físicas comprometidas.
Gerenciamento do Burnout:
A alta prevalência indica que o burnout tem causas sistêmicas, ligadas à organização e ao ambiente de trabalho (carga, autonomia, apoio).
A prevenção e o tratamento devem ser integrados, combinando:
Mudanças organizacionais estruturais
Desenvolvimento de habilidades individuais de enfrentamento
A abordagem deve focar em quatro pilares:
Boa saúde
Bom trabalho
Bons relacionamentos
Bom suporte
Papel da organização
- Promover uma cultura e clima positivos entre os empregados. Um clima favorável e um ambiente de apoio parecem influenciar a saúde mental dos funcionários. O conceito de clima organizacional inclui pelo menos três dimensões-chave:
- Estilo de liderança e apoio à gestão.
- Comportamentos e relações interpessoais
- Comunicação e participação (não apenas mecanismos formais e informais utilizados para transferir informações, mas também o grau de participação nos processos de tomada de decisão). Permita que os trabalhadores saibam que os problemas podem ser resolvidos e resolvidos. No campo clínico, as rondas compartilhadas com os líderes foram associadas a níveis mais baixos de burnout nos empregados, pois aumentam a transparência e a participação na organização.
- Aumentar o significado no trabalho dos médicos. Permita que os trabalhadores passem algum tempo nas partes do trabalho sobre as quais se sentem apaixonados e tente envolvê-los ativamente na organização. Além disso, que eles saibam que eles fazem a diferença em outras vidas. O reconhecimento crescente promove a motivação intrínseca dos funcionários.
- Tentar envolver os funcionários. O contraponto positivo ao burnout é o engajamento. Os trabalhadores felizes são mais produtivos e atendem melhor os pacientes, sendo um ingrediente essencial nos cuidados baseados no valor. A autonomia e a estrutura organizacional estão correlacionadas com o engajamento. Os programas de gestão da qualidade melhoram a satisfação e o envolvimento no trabalho.
- Diminuir a angústia moral. Aumentar seu reconhecimento e dar aos trabalhadores ferramentas e estratégias para superá-lo.
- Reduzir a pressão do tempo e aumente o controle do trabalho. Isso reduzirá a fadiga profissional, reduzirá o caos no trabalho e aumentará a colaboração.
- Medir o clima no local de trabalho. Um dos primeiros passos para mitigar o problema é aumentar os esforços para diagnosticar trabalhadores afetados pelo burnout bem como aqueles que estão em risco. Procure fatores estressores específicos da unidade falando com os trabalhadores.
- Melhorar a justiça da organização. Pessoas que acreditam ter sido tratadas injustamente padecem de um sofrimento considerável. Quando há percepção de injustiça, os colaboradores geralmente procuram seu supervisor/coordenador mais próximo, caso ele consiga demonstrar consideração pelo colaborador, e clara e honestamente explicar o porquê das decisões negativas, eles irão diminuir o sentimento de injustiça
A maioria dessas soluções não é posta em prática por instituições, porque necessitam de um considerável investimento de Recursos, mas, a longo prazo, demonstraram-se custo-efetivos e aumentam a lealdade do paciente.
Papel dos trabalhadores (e dos gestores de uma perspectiva individual)
Embora a maioria das medidas a seguir sejam mais fáceis de dizer a fazer, devemos tentar colocá-las em prática:
- Estabelecer um equilíbrio adequado entre o trabalho e a vida pessoal.
- Identificar seus objetivos profissionais e pessoais.
- Encontrar interesses e hobbies.
- Identificar seus estressores e pense se ou não se você deve eliminar algumas das coisas que causam muito estresse. Você deve identificar coisas que o energizam e que o drenam. Não podemos eliminar o estresse, mas podemos determinar como lidar com ele. Tratamento médico pode aliviar temporariamente os sintomas, mas ele não remove a causa do estresse, permanentemente;
A profissão médica tem sido descrita como uma das populações mais desatendidas em termos de saúde. Então, proteja-se! E se você não cuida de si mesmo, você não pode tomar cuidado dos outros. Escolha opções de estilo de vida saudáveis (Nutrição e atividade física).
- Aprender e praticar a “resiliência”, que é a capacidade de “recuperar-se” da dificuldade. Resiliência é baseada em características, como proatividade, vivendo de acordo com a moral e atitudes éticas.
- A busca da excelência, mas não da perfeição. Tentar alcançar a perfeição resultará em um sentimento de estar continuamente decepcionado. Pelo contrário, quando procuramos a excelência, estamos desenvolvendo nossos talentos e nossas melhores habilidades.
O SMA formou um grupo de coordenadores das diversas áreas assistenciais que receberam instruções gerais, para o diagnóstico, encaminhamento e tratativa de possíveis colaboradores que estejam passando por momentos de estresse ou mesmo, burnout.
O fluxo para a prevenção tem início no diagnóstico precoce do quadro. Os coordenadores farão a abordagem inicial e, caso avaliem como necessário, levarão o caso à diretoria, que também foi devidamente instruída a respeito da tratativa de tais situações.
Algumas situações já foram mapeadas e tem as tratativas bem estabelecidas, como o isolamento de um profissional de uma área/pessoa estressora a fim de melhorar o cotidiano no trabalho.
Todos os casos devem ser notificados ao Comitê de Qualidade e Segurança, o qual será responsável por compilá-los, para acompanhamento do desfecho e possíveis reincidências.
Em caso de necessidade de afastamento, o caso será levado à diretoria do SMA que definirá, caso a caso, possíveis licenças remuneradas, não remuneradas ou outros tipos de tratamentos oferecidos pela empresa.
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