Diretrizes:
Anestesia para transplante renal
em desenvolvimento
História clínica detalhada:
Duração da doença renal, tipo de diálise, última sessão, identificar se foi com ou sem heparina, registrar peso seco.
Comorbidades: HAS, DM, doenças cardiovasculares.
Uso atual de imunossupressores, antiplaquetários, anticoagulantes.
- Avaliação e tratamento da anemia pré operatória.
Exames complementares:
Hemograma, coagulograma, eletrólitos (K⁺, Ca²⁺, Mg²⁺), ureia, creatinina.
ECG, ecocardiograma, radiografia de tórax.
Avaliação da via aérea e estado volêmico.
Definir tipo de transplante: cadavérico (realizado na urgência) ou vivo (eletivo).
- Acesso venoso periférico calibroso
- Avaliar se há necessidade de cateter venoso central – geralmente só é necessário se não tiver acesso periférico ou ainda por indicação clínica por comorbidades
Cateter arterial – considerar se há necessidade de PAM contínua pelas comorbidades/ gravidade do paciente.
Monitorização sugerida:
ECG, capnografia, oximetria de pulso, temperatura.
Monitorização da junção neuromuscular.
(Opcional) Monitor de débito cardíaco e parâmetros de responsividade volêmica como variação do volume sistólico ou variação da pressão de pulso.
- Demais monitores avançados devem ser avaliados e considerados de acordo com comorbidades do paciente (ex.: cateter de artéria pulmonar se hipertensão pulmonar moderada ou grave)
Pré-anastomose
Manter estabilidade hemodinâmica.
Corrigir acidose, hipocalcemia, anemia se necessário.
Durante anastomose e reperfusão
Administrar bolus de manitol e furosemida conforme descrito nas recomendações.
Reperfusão pode causar hipotensão: ter vasopressores (metaraminol, efedrina, norepinefrina) prontos.
Monitorar ECG para distúrbios eletrolíticos (hiperK⁺).
- Ter cloreto de cálcio disponível caso necessário para tratamento da hiperpotassemia na reperfusão.
Indução
Etomidato ou propofol em dose titulada com a monitorização da profundidade anestésica (atenção à hipotensão).
Fentanil ou remifentanil.
Cisatracúrio ou Rocurônio , evitar succinilcolina (risco de hipercalemia).
Manutenção
Sevoflurano ou TIVA com propofol. Obs.: não há evidência clínica para contraindicar o uso do sevoflurano
Ajustar plano anestésico conforme resposta hemodinâmica e diurese.
Analgesia
Técnicas de anestesia regional:
Bloqueio do plano transverso do abdome (TAP) e bloqueio da bainha do músculo reto abdominal com dose única de ropivacaína ou bupivacaína.
- Bloqueio do quadrado lombar: 20 a 30 mL ropivacaína 0,375% ou bupivacaína 0,25%.
- ESP block pode ser uma alternativa para evitar bloqueio de neuroeixo e o bloqueio simpático associado. Caso opte pelo ESP block cuidado com o volume administrado para evitar ou minimizar o risco de bloqueio simpático que pode resultar em hipotensão.
Se o paciente recusar o bloqueio ou houver outra contraindicação: infiltração com bupivacaína no local da incisão cirúrgica.
Não administrar anestésico local adicional se o bloqueio tiver sido realizado.
Analgesia Multimodal:
Opioide intraoperatório (fentanil ou sufentanil), buscando utilizar baixas doses.
Dipirona, paracetamol IV.
Evitar AINEs.
- Dexmedetomidina pode ser um adjuvante potencialmente benéfico: parece ter efeitos nefroprotetores por reduzir a lesão por isquemia-reperfusão e pode melhorar a função renal precoce. Além disso, proporciona sedação e analgesia, diminuindo a necessidade de opioides (efeito opioide sparing).
Manitol: diurético osmótico, utilizado em transplantes renais para expandir o volume intravascular, melhorar o fluxo renal, tentar proteger contra necrose tubular renal (evidência fraca), eliminar radicais livres e aumentar a produção de prostaglandinas.
Administrar 250 mL de manitol a 20% antes da reperfusão: melhora a função renal e reduz a incidência de disfunção tardia do enxerto (DGF).
Atenção: o uso excessivo pode causar efeitos adversos como insuficiência cardíaca, edema pulmonar e lesão renal hiperosmolar
Furosemida (3–5 mg/kg): geralmente administrada 10–15 minutos antes do clampeamento. Teoricamente tem efeito nefroprotetor por inibir o hormônio antidiurético e reduzir o consumo de oxigênio renal, mas com poucas evidências de benefícios comprovados.
Reposição volêmica:
– não há vantagem significativa do uso de albumina em relação aos cristaloides
– pode-se utilizar ringer simples ou até mesmo ringer lactato se não utilizado em altos volumes
– SF 0,9% deve ser evitado pelo risco de acidose hiperclorêmica que poderá agravar ainda mais a hiperpotassemia
Evitar hipovolemia: reposição volêmica cautelosa e guiada no intraoperatório – avaliar critérios de responsividade volêmica e fazer terapia guiada por objetivos.
Preferência por cristaloides balanceados (Plasmalyte ou Ringer com acetato/lactato).
Alvos:
CVP ≥ 12–15 mmHg
PAM ≥ 80 mmHg
Débito urinário > 100 mL/h
SVV < 15% (se disponível)
Evitar grandes volumes de sf 0,9% (risco de acidose hiperclorêmica e hipercalemia).
Uso criterioso de albumina a 5% ou gelatinas se necessário (não há evidências de benefícios).
Extubação se paciente estável, normotérmico, sem acidose grave.
Transferência para unidade de internação, semi intensiva ou intensiva – pactuar com a equipe cirurgica ou seguir a indicação de acordo com as comorbidades do paciente.
Monitorar:
Diurese horária.
Creatinina, eletrólitos, gasometria.
Sinais de disfunção do enxerto.
🔎 1. PRÉ-INDUÇÃO
Revisar exames: Hb, INR, eletrólitos, ECG, ECO, Rx tórax
Checar última diálise / volume extraído e peso antes e pós diálise (seco)
Confirmação do tipo de transplante (vivo/cadavérico)
Avaliar imunossupressores prévios (tacrolimus, micofenolato, etc.)
Acesso venoso periférico calibroso + CVC se necessário
Cateter arterial contínuo se necessário (avaliar comorbidades do paciente)
Monitorização completa (incluindo TOF, SVV se disponível)
Equipos preparados para uso se necessário: bomba de infusão, vasopressores diluídos (efedrina, metaraminol e norepinefrina)
💉 2. INDUÇÃO E MANUTENÇÃO
Agentes de indução: Etomidato / Propofol (com cautela)
Opioide: Fentanil ou Remifentanil
Relaxante muscular: Cisatracúrio ou Rocurônio (evitar succinilcolina) – considerar estômago cheio (sequência rápida de intubação)
Manutenção: Sevoflurano ou TIVA (propofol)
Temperatura: aquecimento ativo desde o início
Evitar AINEs – analgesia multimodal com paracetamol/dipirona
💧 3. FLUIDOS E DIURESE
Preferência: cristaloides balanceados (Plasmalyte, Ringer com lactato ou acetato)
Evitar salina 0,9% isolada
Manter:
CVP ≥ 12–15 mmHg
PAM ≥ 80 mmHg
Diurese ≥ 100 mL/h
SVV < 15% (se disponível)
Considerar albumina 5% se hipoalbuminemia grave
🧪 4. DIURESE FARMACOLÓGICA
Manitol 20% – 250 mL antes da reperfusão
✔ Expande volume, reduz lesão de reperfusão, estimula prostaglandinas
⚠️ Evitar doses excessivas (risco de IC, edema pulmonar)
Furosemida – 3 a 5 mg/kg 10–15 min antes do desclampeamento
✔ Reduz consumo de O₂ tubular, potencial efeito protetor contra isquemia
🛑 5. REPERFUSÃO
Suspender temporariamente anestésicos caso necessário (atenção à hipotensão e manter monitorização da profundidade anestésica)
Administrar cálcio (cloreto de cálcio tem maior biodisponibilidade imediata) se necessário
Vasopressores prontos: efedrina / metaraminol / norepinefrina
Monitorar ECG para arritmias e hipercalemia
Avaliar turgor do enxerto e enchimento de cava (com equipe cirúrgica)
💊 6. IMUNOSSUPRESSÃO INTRAOP.
Checar início prévio de tacrolimus, micofenolato, esteroides – alinhar com equipe cirúrgica
Se indicado: Timoglobulina IV após indução, infusão lenta (4–6 h)
⚠️ Risco de hipotensão – nunca administrar em bolus
🌡️ 7. TÉCNICAS REGIONAIS (se possível)
TAP Block ou bloqueio da bainha do reto abdominal ou quadrado lombar ou ESP
Se contraindicado/recusa: infiltração com bupivacaína na incisão
❌ Não administrar anestésico local adicional se bloqueio já realizado
🛌 8. EXTUBAÇÃO E PÓS-OP.
Extubação segura se: normotermia, estabilidade hemodinâmica e equilíbrio ácido-basico
Transferir para UTI /semi de acordo com comorbidades e alinhamento com equipe cirúrgica
Caso permaneça na RPA atentar para:
Monitorização hemodinâmica contínua
Controle rigoroso da diurese e eletrólitos
Continuidade da imunossupressão
- Muir MA, Szempruch KR, Dupuis R, Toledo AH, Isaak RS, Arora H, Prasad R, Serrano Rodriguez P. Utilizing multimodal analgesia to evaluate postoperative analgesic requirements in kidney transplant recipients. Clin Transplant. 2021 Apr;35(4):e14240.
- Carcella T, Patel N, Marable J, Bethi S, Fleming J, Baliga P, DuBay D, Taber D, Rohan V. Long-term Outcomes Following a Comprehensive Quality Assurance and Process Improvement Endeavor to Minimize Opioid Use After Kidney Transplant. JAMA Surg. 2023 Jun 1;158(6):618-624.
- Chotinaruemol K, Leurcharusmee P, Chattipakorn SC, Chattipakorn N, Apaijai N. Dexmedetomidine mitigation of renal ischaemia-reperfusion injury: comprehensive insights from cellular mechanisms to clinical application. Br J Anaesth. 2025 May;134(5):1350-1372.
- Levine MA, Rasmussen A, Lee D, Rim C, Farokhi K, Luke PP, Sener A. Prospective assessment of the impact of intraoperative diuretics in kidney transplant recipient surgery. Can J Surg. 2024 Apr 4;67(2):E158-E164.
- Cai J, Kang F, Han M, Huang X, Yan W, Wan F, Li J. Comparison of Effect Sevoflurane-Based Anesthesia and Propofol-Based Anesthesia on the Early Postoperative Renal Function of Living Kidney Transplant Donors: A Randomized Controlled Trial. Drug Des Devel Ther. 2025 Jan 23;19:491-503.