Protocolo completo

Prevenção e Tratamento de Broncoaspiração

Diretriz Assistencial SMA

1.objetivo

Este documento propõe-se a fundamentar e uniformizar as condutas em procedimentos anestésicos na prevenção do risco e tratamento da broncoaspiração, baseando se na melhor evidência científica e boas práticas assistenciais, buscando a excelência no cuidado aos pacientes e aumentando a segurança dos processos assistenciais.

2.aplicação

Todos os pacientes submetidos à anestesia nos serviços de saúde onde o SMA presta assistência anestésica.

3.Motivo da Atualização

Primeira versão

4.definições

                  A incidência de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico no período perioperatório tem diminuído ao longo das décadas, contudo continua sendo associada à severa morbidade e óbito, a despeito dos recentes avanços relacionados às diretrizes de jejum pré-operatório, algoritmos de manejo da via aérea difícil, melhorias nos equipamentos de via aérea e treinamento multiprofissional.

Em um estudo realizado no Projeto Closed Claims publicado no Anesthesiology, com compilado de manifestações por má prática anestésica no período de 2010 a 2014, dos 115 casos de aspiração pulmonar perioperatória, houve relato de dano permanente em 14 % e morte em 57% dos casos. Neste mesmo estudo, foi verificado que 61% dos pacientes tinham obstrução gastrointestinal ou outra doença intra-abdominal.

GRUPOS DE RISCO

                  Os fatores de risco para aspiração pulmonar perioperatória incluem: 

Em relação aos procedimentos:

  1. Cirurgias de emergência
  2. Procedimentos para trauma (emergências ou dentro das 48hs após o trauma)
  3. Cirurgias para abdome agudo obstrutivo
  4. Cirurgias em posição de Trendelenburg

Em relação aos pacientes:

  1. Estômago “cheio”: 
    1. Jejum inadequado (< 8hs para alimentos gordurosos; <6hs para alimentos leves, sem gordura;< 2hs para líquidos sem resíduos). Exclui-se ingesta de medicamentos.
    1. Obstrução Gastrointestinal
  2. Atraso no esvaziamento gástrico
    1. Diabetes mellitus (DM)
    1. Insuficiência Renal Crônica (IRC)
    1. Trauma recente
    1. Gravidez
    1. Cirurgia GI prévia
  3. Incompetência do Esfíncter esofágico inferior
    1. Hérnia de hiato
    1. Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE)
    1. Gravidez
    1. Cirurgia do TGI superior
  4. Incompetência do Esfíncter esofágico superior
    1. Administração recente de opioides
    1. Obesidade (IMC≥35)
  5. Aumento da Pressão Abdominal
    1. Ascite, massas abdominais
    1. Obesidade (IMC≥35)

Pacientes com história de doença neurológica (AVC, rebaixamento do nível de consciência, doença de Parkinson) também são propensos à broncoaspiração.

Em relação aos cuidados clínicos:

  1. Ausência de sonda nasogástrica (SNG)
  2. Uso de máscara laríngea ou máscara facial em pacientes de alto risco
  3. Sedação excessiva durante anestesia regional ou antes da anestesia geral
  4. Dificuldade para intubação
  5. Extubação precoce
  6. Manejo inadequado após evento

Neste mesmo estudo, o fator de risco mais comum estava relacionado aos procedimentos de emergência (45%), seguido de obstrução gastrointestinal (36%) e outras condições intra-abdominais (25%). Mais de um fator de risco foi evidenciado em 77% dos pacientes.

Outros fatores de risco identificados frequentemente foram: DRGE, DM e Obesidade (IMC≥35). Contudo, mais comumente associados com outros fatores. 

Quanto aos cuidados clínicos, verificou-se uma maior incidência de broncoaspiração durante a indução da anestesia geral (48%), sendo mais comum antes mesmo da abordagem da VA. 

Considerando a indução anestésica, o uso de sequência rápida foi realizado em 57% dos casos e a pressão cricoide aplicada em 45% destas notificações.

CONDUTA

Com base em todos estes dados, recomenda-se as seguintes condutas no período perioperatório:

Avaliação pré-operatória:

  1. Estar atento à identificação dos pacientes com alto risco para broncoaspiração e documentar em prontuário, para que esta informação possa ser compartilhada com todos que estarão envolvidos no cuidado.
  2. Realizar intervenções para diminuir o conteúdo gástrico (Medicação pró cinética, antagonista H2, inibidores da bomba de próton)

No caso de dúvidas quanto ao volume gástrico, pode-se realizar exames de imagem (USG) para avaliação do conteúdo. 

  • Discutir com a equipe cirúrgica a necessidade da passagem de SNG previamente ao procedimento

Procedimento anestésico:

  1. Garantir que todos os equipamentos estão checados e funcionantes, incluindo aparelho de ventilação, monitores, aspiradores (com sondas de aspiração conectadas)
  2. Verificar laringoscópios e solicitar material de via aérea difícil
  3. Solicitar ajuda para indução anestésica
  4. Realizar indução sequência rápida com aplicação da pressão cricoide adequadamente, liberando apenas após insuflação do cuff
  5. Intubação com videolaringoscópio com paciente preferencialmente em proclive
  6. Realizar extubação após reflexos presentes, com paciente em proclive ou decúbito lateral (Garanta que neste momento tenha disponível aspirador e materiais de VA para uma possível reintubação)

No caso de evidência ou suspeita de broncoaspiração, o manejo deverá ser direcionado ao tratamento de suporte. Aspiração da traqueia antes de instaurar a ventilação positiva para prevenir deslocamento do conteúdo gástrico e realizar precocemente exame de imagem e broncoscopia para prevenir atelectasia distal.

Broncoaspiração pode levar a diversas condições clínicas, incluindo pneumonite química, pneumonia bacteriana, ou SDRA. Ventilação mecânica pode ser requerida por longos períodos.

A principal controvérsia é relacionada ao tratamento envolvendo antibióticos e esteroides. Os antibióticos devem ser utilizados somente nos casos de pneumonia confirmada, pois estes podem induzir ao desenvolvimento de bactérias multirresistentes. Não há evidência de que o uso de esteroides pode reduzir a mortalidade ou melhorar o desfecho.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

                  Considerando que mais de 2/3 dos pacientes que apresentaram aspiração de conteúdo gástrico vão à óbito ou sofrem de algum dano permanente, a identificação precoce dos fatores de risco, avaliações prévias do conteúdo gástrico, o manejo adequado da via aérea por profissional experiente pode auxiliar na mitigação do risco e melhor desfecho. 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

5.referências

01. American Society of Anesthesiologists Committee. Practice guidelines for preoperative fasting and the use of pharmacologic agents to reduce the risk of pulmonary aspiration: application to healthy patients undergoing elective procedures: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Committee on Standards and Practice Parameters. Anesthesiology. 2011 Mar;114(3):495-511. doi: 10.1097/ALN.0b013e3181fcbfd9. PMID: 21307770.

02. Perlas, A., Arzola, C. & Van de Putte, P. Point-of-care gastric ultrasound and aspiration risk assessment: a narrative review. Can J Anesth/J Can Anesth 65, 437–448 (2018). https://doi.org/10.1007/s12630-017-1031-9

03. Michael Robinson, MB ChB FRCA, Andrew Davidson, MA MBBS FRCA FFICM, Aspiration under anaesthesia: risk assessment and decision-making, Continuing Education in Anaesthesia Critical Care & Pain, Volume 14, Issue 4, August 2014, Pages 171–175, https://doi.org/10.1093/bjaceaccp/mkt053

04. Anahi Perlas, Cristian Arzola; Pulmonary Aspiration of Gastric Contents: Can We Improve Patient Outcomes?. Anesthesiology 2021; 135:209–211 doi: https://doi.org/10.1097/ALN.0000000000003861

05. Mark A. Warner, Karen L. Meyerhoff, Mary E. Warner, Karen L. Posner, Linda Stephens, Karen B. Domino; Pulmonary Aspiration of Gastric Contents: A Closed Claims Analysis. Anesthesiology 2021; 135:284–291 doi: https://doi.org/10.1097/ALN.0000000000003831

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